Portanto, a autogestão é uma estratégia-movimento social e um ideal-teoria social. Nesse sentido, O estudo da História da Autogestão implica uma abordagem de longa duração, tanto para seu polo das experiências históricas, das lutas autogestionárias abrangendo vários séculos (desde a Revolução Francesa, passando pela Comuna de Paris, até as experiências Comunais em Nuestra America deste século em curso), quanto das formulações teóricas de muitos pensadores socialistas neste longo período. Este arco histórico pode ser remetido à outras temporalidades de mais longa duração, incorporam, por exemplo no Brasil, experiências como a “Comuna de Zumbi dos Palmares”. Ou, para Europa, muitas formas de luta e organização plebeia, como tantas assinaladas por E.P.Thompson em sua rica obra sobre a “Formação da classe operaria na Inglaterra”*.
Os valores da ecosol estão encarnados no cotidiano de suas experiências, todavia, há no longo processo histórico de luta pela emancipação momentos de grandes mobilizações e lutas. Estas diversas tentativas dos trabalhadores de “assalto ao Céu”, na verdade, significam ensaios de construção dos ‘órgãos de poder comunitário-popular’, em muitas vezes, antagônicos ao núcleo fundamental do metabolismo do modo de produção capitalista e também pós-capitalista, isto é, ao Estado, ao Capital e ao Trabalho assalariado.
São os casos de revoluções ativas de massas, e de revoltas e rebeliões. Em ambos os casos, os trabalhadores fundam órgãos de Autogestão Social, que são, na verdade, órgãos de caráter Comunal. Por exemplo, nas “ondas” ou “ciclos” recentes de revoltas, rebeliões, iniciados nos anos 60 e 70, encerrado em 1980-81 na Polônia; em seguida, década de 90 e nos anos 2000, na Nuestra America, de Chiapas, Venezuela e Bolívia, podemos visualizar diversas formas, potencializadas ou atualizadas de “poder comunitário”, através de diversos órgãos como conselhos, comitês, comissões, assembleias, formas de trabalho associado na ecosol (campo e cidade).
Estes órgãos podemos buscá-los ao longo da história das lutas populares, desde as experiências dos ‘comitês revolucionários’ nos 48 bairros de Paris, no curso da Revolução francesa de 1789, nos anos 1793-94, em que os sans-culote criaram seus órgãos revolucionários de poder, inaugurando, digamos assim, a luta de classes em torno da questão dos salários.
Mais à frente, temos a experiência da ‘Comuna de Paris”, em 1871,quando as fábricas passaram a ser geridas pelos próprios trabalhadores; Comuna influenciou todas as lutas revolucionarias que a sucederam, como o Soviét de Petrogrado em 1905 e, sobretudo, a revolução de 1917, em que a palavra de ordem central foi de ”Todo o Poder aos Sovietes”, isso é, aos ‘órgãos de gestão popular’ surgidos em todos os espaços da sociedade russa; nas fabricas, bairros, parlamento, campo, estudantes, etc.
É de fundamental importância na América Latina a revolução mexicana de 1910. Na região de Morelos, o zapatismo instituiu a chamada “Comuna de Morelos”. A revolução espanhola, 1936-39, foi outro momento significativo de tentativas de poder popular em territórios liberados, em alguns casos abolindo a forma mercantil, a moeda, e o aparelho estatal. Na década de 70, o Chile da época de Allende também foi marcado pelos órgãos de poder popular: os Cordões Industriais, redes que articulavam fábricas geridas pelos operários, e Juntas de bairros. Inclusive se prenunciando uma assembleia Popular, que se reuniu em Asunción (Paraguai).
Na década de 1980, na Polônia, dando sequência a uma onda larga de revoltas, rebeliões e revoluções no campo das sociedades pós-capitalistas do Leste Europeu, surgiu o movimento auto gestionário que controlava as 3.000 maiores empresas do país, articulado ao “Sindicato Livre Solidariedade”. Em seu Congresso, que durou 2 semanas, os trabalhadores erigiram como Programa máximo, “A República Autogestionária” da Polônia.
Com as lutas na Polônia, possivelmente, se encerrou o ciclo sob hegemonia da “velha classe operária” centrada nos grandes centros industriais. Nas ideias do boliviano Garcia Linera, da “Forma Sindicato”. A velha Toupeira iria mudar de espaço geográfico nos anos subsequentes e, assumir a “Forma Comunidade”. Uma certa volta, em 1994, ao Zapatismo, em Chiapas. Deste modo, após um período de hibernação, a “Velha Toupeira” veio à tona no final do século passado e início desse novo século.
E, veio à tona nos Andes, com milhares de Índios, através de insurreições diversas e outras formas de luta, organizações e poder popular, com ‘caráter comunal”. Mas, também, como formas de EPS, principalmente nos países do Mercosul.
Esse longo ciclo de lutas pela emancipação do trabalho e um fenômeno de tamanha profundidade que, sem dúvidas, demanda estudos no campo da filosofia, precisamente da ontologia do ser social. Se, por um lado, essa longa história de experiências de emancipação vem marcada por derrotas, por outro lado, essa utopia concreta não se extingui, não morre, está sempre presente no longo processo histórico.
E, também sem dúvidas, seu campo existencial é o do Trabalho, em seu sentido mais amplo, filosófico. São muitas as questões: Como em diversas conjunturas radicais, o fenômeno Trabalho se transforma em Movimento de emancipação de seus agentes, dos que vivem do trabalho? Põe em pauta a utopia concreta da sociedade de produtores livremente associados?
É como um ‘fio condutor’, como a ‘velha toupeira’, sempre marcando e sempre vindo à tona nos momentos históricos de virada de onda. Por isso, sua fundamentação é de algo permanente na sociedade, no ser social. Um dos principais estudiosos das lutas operarias, Anton Pannekoek *,que estudou esse fenômeno e que chamou de “Conselhos Operários”, mas que, na verdade, são Formas Comunais de Poder Popular, dizia que: Conselhos Operários, isso não distingui uma forma de organização fixa, elaborada de uma vez para todas e em que só ficaria a tarefa de coorigir, aperfeiçoando detalhes; trata-se de um princípio, o princípio da autogestão operaria das fabricas e da produção. (…)
Trata -se unicamente de um Fio Condutor para uma longa e dura luta de emancipação que a classe operária tem ainda diante dela. (A.Pannekoek.”Lês Conseils Ouvriers”). Trata-se, como disse A. Pannekoek, do Princípio da autogestão, operária ou não, na produção ou no território da reprodução. Acompanha as metamorfoses dos mundos do trabalho e seus impactos na composição e perfil dos que vivem do trabalho. E, historicamente, sua forma primeira e mais delineada, surgiu com a Comuna de Paris, “a forma enfim encontrada de emancipação econômica”. (MARX).
Em outro analista destas lutas, João Bernardo*, também podemos encontrar esse mesmo Princípio ontológico: “O proletariado enquanto classe, nunca é inculto, pois pela sua situação social edifica as bases institucionais de um futuro possível. O gênio do proletariado, não reside tanto na sua produção ideológica, mas sobretudo na produção institucional e igualitária” (MARX critico de Marx. 1-31).
O que Bernardo chama de O Gênio do proletariado não é um mito ou uma ideia solta no ar, mas um elemento do campo ontológico do ‘ser social’ dessa classe, que se expressa historicamente em diversas conjunturas específicas como produção institucional comunitária e igualitária. Assim, podemos falar de princípio do poder comunitário, que pode tomar muitas e diversas formas.
Neste longo processo histórico de luta pela emancipação do trabalho, podemos situar as experiências da Ecosol. E, nível de suas ações cotidianas; e, no plano dos espaços amplos e velozes, nas lutas e mobilizações, plenárias e conferências; em ambos os níveis, a EPS define seu projeto político de caráter estratégico.
O “Texto de Referência” para os debates da 3ª CONAES traçou seus elementos, que abrange as duas faces que falamos acima; primeiro, um diagnóstico: “a) a crise econômico-financeira mundial agravada a partir de 2008 foi apenas mais um momento da crise maior, de modelo civilizacional, que abrange diversas dimensões, desde a esfera da produção material – a crise econômica propriamente dita, passando pela manutenção e reprodução da vida (o desemprego, as condições precárias de trabalho, a pobreza, a fome, entre outros) até a esfera que parece ser um limitador do atual modelo de desenvolvimento, que é a crise ambiental;
Em seguida, as características da EPS: b) como modo de produção, a economia solidária apresenta vantagens em relação ao capitalismo e ao contrário dele se propõe a tornar-se um novo sistema socioeconômico, uma economia social pós-capitalista cujas atividades tenham como fim a satisfação sustentável das necessidades e o desenvolvimento humano e social;
- c) de longa trajetória histórica a economia solidária vive um processo de expansão e ao mesmo tempo trava a luta política ideológica contra o neoliberalismo e disputa com o capitalismo o fundo público pelo direito de viver e trabalhar em organizações coletivas e democráticas;
- d) a economia solidária poderá vir a se constituir protagonista de uma efetiva proposta de desenvolvimento sustentável, pois ela traz mudanças de comportamento de solidariedade e sustentabilidade, considerando a natureza como fonte de vida e não como objeto ou fonte de lucros, em contraposição aos elevados custos ambientais, sociais e culturais provocados pela grande produção capitalista.
Mas para isso é necessário avançar no reconhecimento do direito às formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na cooperação, na autogestão e na propriedade coletiva dos meios de produção”. (pags.13 e 14) Como não reconhecer as “afinidades” destes 4 pontos com os referenciais criados pelo peruano MARIATEGUI em relação ao socialismo indo-americano?
- socialização dos recursos produtivos, isto é, estabelecimento de relações de cooperação e solidariedade na produção;
- socialização do poder político, no sentido do exercício direto do poder pela sociedade em seu conjunto;
- um novo sentido da vida, uma racionalidade alternativa à do capitalismo.
O fundamental da proposta mariateguiana tratava, portanto, da socialização dos recursos da produção com uso e usufruto nas mãos dos próprios produtores, ou seja, a autogestão. Segundo Germana *, o exame da participação dos camponeses indígenas na comunidade e dos operários no sindicato, o levou a considerar outro tipo de organização política, em que as funções estatais não se autonomizariam em relação com a sociedade. Estas organizações de democracia direta constituíam a via pela qual o poder se iria socializando, até deixar de ser uma função especializada e separada da sociedade.
As organizações autônomas dos trabalhadores seriam os órgãos da democracia direta. Por isso, a formula da “conquista do Estado” traduzia para Mariategui o longo processo pelo qual a experiência associativa dos trabalhadores os levaria a uma forma de autogoverno e do exercício direto do poder.
Toda esta visão da transformação social implica também um reencantamento do mundo, no sentido do restabelecimento de uma relação harmoniosa dos homens entre si e dos homens com a natureza. Por fim, nesse século XXI, a América Latina se revela como um campo de possibilidades da EPS comunitária e autogestionária.
Diversos autores da América Latina-central assinalam que existe um sistema comunal que se expressa em formas econômicas e políticas: a propriedade coletiva dos recursos e o manejo ou usufruto privado dos mesmos. No sistema da propriedade coletiva há a deliberação coletiva e a rotatividade da representação. O representante não é designado para mandar, senão para “simplesmente organizar o curso da decisão comum” (ZIBECHI, 2006.p.38).
Esse sistema comunal possui as características e princípios da experiência da ‘Comuna de Paris’. A economia do sistema comunal exclui a exploração ou apropriação do trabalho alheio, já que os bens coletivos são usufruídos em forma privada/familiar. Da mesma forma, não existe o trabalho alienado, já que a família e seus membros controlam os modos e ritmos de produção, não estão sujeitos a outro controle que não seja o da comunidade (PATZI, 2004, p.171).
Na esfera do poder político, a figura do representante comunal é oposta à que conhecemos na política tradicional (…). Nas comunidades a representação não é voluntaria, mas obrigatória e rotativa. A diferença da lógica neoliberal, na comunitária não se elege o mais capaz ou o mais instruído ou inteligente, mas simplesmente ao que lhe toca o turno(…)
Como a representação não é opção, mas um dever que se presta à comunidade, que todos a seu turno devem prestar se querem seguir usufruindo dos bens comunais (terra, água, pastos) (ZIBECHI, 2006, p. 39-40).
As grandes mobilizações ocorrem porque há no cotidiano uma densa rede de relações entre as pessoas. Relações que são também formas de organização. Na vida cotidiana são as relações de vizinhança, de amizade, de companheirismo, de compadrio, de família. Nos deparamos nas visitas ás várias experiências, sobretudo, no semiárido, com este tipo de relações solidárias e formas de organização comunitárias.
- Álvaro Linera Garcia, Emir Sader, Luis Tápia, Félix Patzi, Réne Zavaleta, Rodolfo Stavenhagen, Bolivar Echeverria, Rui M.Marini, Raul Zibechi, Felix Patzi, Raquel Gutierrez Aguilar, entre outros.
A dinâmica da autogestão comunitária na Europa, um dos principais estudiosos da autogestão, HENRY LEFEBREV, nos aporta elementos fundamentais: Lefebrev assinala 3 pontos característicos do processo de construção da autogestão: 1) uma brecha no sistema existente, dos centros de decisão que geram a produção e organizam o consumo sem deixar aos produtores e aos consumidores a menor liberdade concreta, a menor participação nas verdadeiras opções;
2) Um risco; a possibilidade de uma degeneração, de uma recuperação, sobretudo nas formas já bastardas e degeneradas da ‘cogestão’. Na autogestão em si mesma, os interesses parciais ou locais podem dominar os interesses gerais da sociedade; 3) O anúncio de um processo que passa pela brecha aberta e que atinge a sociedade inteira. “É falso limitar este processo à gestão dos negócios econômicos (empresas, ramos de indústria, etc ).
A autogestão implica uma ‘PEDAGOGIA’ SOCIAL. Ela supõe uma nova prática social, em todos os graus e níveis o processo de autogestão, prática social e teoria desta prática, implica a construção na base de uma rede de organismos; a prática e a teoria modificam o conceito clássico – na democracia formal – de representação e de representatividade.
Os interesses múltiplos da base devem estar presentes e não ‘representados’, isto é delegados à mandatários separados desde então da base. A autogestão e a participação efetivas não podem se separar de um “sistema” de democracia direta…”.
Por fim, Lefebrev retoma seu eixo central: “a propósito da autogestão, é importante relembrar a importância da vida cotidiana? Sem dúvidas. O processo revolucionário começa pelo abalo da cotidianeidade e termina pelo seu restabelecimento”. “A autogestão mostra a via de uma transformação da vida cotidiana”. “Mudar a vida”, assim se define o sentido do processo revolucionário”.
Na visão de Lefrebev “A experiência social (prática social) mostra que as associações de autogestão surgem nos “pontos frágeis” da sociedade existente. Toda sociedade tem seus “pontos fortes” que, no conjunto, formam a armadura, a estrutura da sociedade. O Estado repousa sobre estes “pontos fortes”. A política estatal tem por tarefa soldar as possíveis fissuras. Em volta destes espaços reforçados nada acontece.
Todavia, entre estes “pontos fortes”, consolidados pelo Estado, encontram-se as “áreas frágeis” e as lacunas. É aí que ocorrem fatos novos. As forças sociais intervêm nestas lacunas, as ocupam, as transformam em “pontos fortes”, ou, ao contrário, em “outra coisa”. Os “pontos frágeis”, os vazios, só se revelam na prática ou às iniciativas de indivíduos capazes ou às pesquisas de grupos capazes de agir.
Os “pontos frágeis” podem resultar de um “abalo” ou de uma “desestruturação” do conjunto. Lefebvre nos oferece exemplo muito ilustrativo de suas ideias: Na França, em 1870, Paris é o ponto fraco do Império Bonapartista. No início de 1871, a capital é o ponto fraco da França.
Devido à industrialização, ao crescimento do proletariado, em razão da guerra, à derrota da proclamação da República, ao estado de sítio, e também, devido à segregação social feita por Hauussmann, à repartição dos operários nos bairros periféricos, ao ‘emburguesamento’ e ao início da deterioração no centro. Sob a Comuna, os operários projetam realizar a autogestão nas fábricas abandonadas pela burguesia de Versalhes, porém não tiveram o tempo necessário.
Por infelicidade, a burguesia e seu Estado e as relações de produção capitalistas ficaram fortes fora de Paris; Thiers pode reconstituir rapidamente em Versalhes o aparelho de Estado e a armada. Lefebvre aponta o “ponto fraco” onde surgiu a autogestão: as fábricas abandonadas pelos patrões.
É fundamental perceber sua noção de fraqueza: surge de um campo complexo de contradições, tal qual apontou inicialmente. É importante também notar que o Programa da Comuna traz 13 pontos apontando para o conjunto da sociedade francesa, não se restringindo ao campo da produção.
Para Lefebvre, a autogestão não surge em qualquer lugar, conjuntura ou momento. É necessário uma conjuntura, um lugar privilegiado. Onde e quando ela surge porta, necessariamente, seus elementos “possíveis”: a tendência à “generalização” e à “radicalização”.
Para que a autogestão se consolide, se amplie, ela deve ocupar os “pontos fortes” da estrutura social que operam contra ela. A principal contradição que a autogestão introduz e suscita, é sua própria contradição com o Estado; ela põe em questão o Estado: “Desde que apareça um raio de sol, em uma fissura, essa simples planta cresce, e o enorme edifício estatal é ameaçado”. “Para se generalizar, para se transformar em “sistema”, em escala de toda a sociedade – unidades de produção, unidades territoriais, instâncias e níveis superiores – a autogestão não pode evitar o choque com o “sistema estatal-político”, seja ele qual for.
A autogestão não pode evitar essa difícil tarefa: constituir-se em poder que não seja estatal”. O “Estado da autogestão”, isto é, o Estado no qual a autogestão se eleva ao poder, só pode ser de um tipo: um “Estado em extinção”. “A autogestão deve ser estudada de duas formas diferentes: como “meio de luta”, abrindo caminho, e, como “meio de reorganização da sociedade”, a transformação “de baixo para cima” da vida cotidiana e do Estado.
Em termos de memórias de curta e média durações, podemos situá-las a partir dos anos 80-90, com várias experiências Comunitárias de Produção, os PACS da Cáritas.
Em nível de políticas públicas, experiências de governos municipais, e estaduais, como o governo gaúcho de Olívio Dutra, no período de 1988-2002, cuja Secretaria Desenvolvimento Institucional (SEDAI) tinha um Programa Economia Popular. Todavia, o fundamental nos remete aos anos 2000, com a construção do movimento social ecosol, e os 8 anos do Governo Lula (2003-2010) e os 3 do governo Dilma.
Pois, neste período tivemos a fundação da Senaes e do CNES e, no campo social, o FBES e seus desdobramentos nos estados e municípios além das plenárias e conferências. No primeiro ano do Governo Lula, três acontecimentos foram marcantes no campo da autogestão e da Economia Solidária. 1º – A fundação da Secretaria Nacional de Economia Solidária – (SENAES), como política de Governo, refletindo um avanço qualitativo do movimento social da Economia Solidária. E, a construção do FBES com caráter sistemático;
2º – A construção do Plano Nacional de Qualificação (PNQ), no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego que, em suas diretrizes e objetivos, incorporou os elementos constitutivos da autogestão e da EcoSol. Assim, a qualificação em Ecosol permitiu a realização de um Projeto Especial de Qualificação – (PROESQ), em que as atividades feitas pela Associação Nacional de Trabalhadores em Autogestão (ANTEAG*) nos apresentaram uma série de questões, problemas e dificuldades, possibilitando avançar a reflexão sobre a ‘formação para autogestão’.
3º – O Seminário Nacional de Autogestão, promoção da SENAES, com apoio do Movimento dos Sem Terra (MST), da Agência de Desenvolvimento Sustentável da Central Única dos Trabalhadores (ADS-CUT) e da ANTEAG, realizado em Joinvile, no mês de dezembro de 2003. Neste seminário, participaram trabalhadores das ‘empresas de autogestão – MNER’, da Argentina.
Em 2006, no do Fórum Mundial na Venezuela, promoveu-se um encontro com experiências de ‘empresas recuperadas’ do continente. A SENAES, partir do Seminário de Joinville, elaborou um programa para estas ‘empresas autogeridas’, em conjunto com UNISOL e ANTEAG.
Uma série de atividades que permitiram acúmulo de conhecimentos, debates feitos em 1986, em Santiago do Chile, no “Encuentro en busca de Alternativas” promovido pelo CEDAL/France, sob a coordenação de Henryane Chaponay e instituições chilenas sob a coordenação de Luiz Razeto e Sebastián Cox.
E, também, as questões apontadas neste campo da autogestão, no Encontro Internacional de Autogestão, realizado em Porto Alegre, em 1988, com a presença significativa era, na verdade, uma retomada de questões postas por experiências comunitárias nos anos 80, seja pela CÁRITAS com os PACS, seja por 15 experiências de autogestão acompanhadas pela FASE, entre estas, a COPERMINAS, em Criciúma.
E, se cascavilharmos mais longe, no tempo, chegaremos aos debates promovidos pelos militantes operários que formavam, nos anos 70, o que chamamos de “Oposição Sindical no Exílio”, em contato com as lutas autogestionárias na Europa e África.
O Período Curto, nos permite captar os avanços, impasses e desafios da ecosol no Brasil. Nele ocorreram a 1ª Conaes (2006), passando pela 2ª Conaes (2010), até a 3ª Conaes, a ser realizada em final de 2014.Cobre um período histórico de cerca de 12 anos. Podemos chama-lo de período de CONSTRUÇÃO da Ecosol. A realização da 3ª Conaes, em novembro 2014, significou um salto de qualidade da Ecosol, devido ao acumulo dos últimos 12 anos e com mais condições favoráveis a construção de um Plano Nacional de Desenvolvimento mais inserido na estratégia nacional.
A realização de Conferências Nacionais tem um papel fundamental na Ecosol. Como momentos privilegiados de construção do espaço público marcado pela cidadania ativa. São momentos qualitativos de definição de estratégias e construção coletiva de conhecimentos. Como espaços públicos, elas são construídas através da parceria do FBES como expressão da Ecosol como movimento social e de representação governamental através da Senaes e do CNES.
A conjuntura político e econômico-social do Brasil traz elementos que explicam essa expansão da Ecosol. Deste modo, o Documento da 3ª CONAES define o momento brasileiro: “O contexto brasileiro não se caracteriza por transformações profundas em seu modelo econômico como aquelas promovidas por processos revolucionários (com suas várias denominações) que estão ocorrendo em vários países da América Latina. No entanto, o país tem adotado medidas bastante diversas da agenda liberal e conservadora, que possibilitaram maior inclusão social, aumento da massa salarial, incremento do mercado interno, etc”.
Mas a ausência de reformas estruturais de base dificulta essa expansão. A persistência da desigualdade na sociedade brasileira é um fator limitador de caráter estratégico. Em outros países da América Latina, onde ocorrem mudanças mais estruturais, a Ecosol é protagonista de Projeto de Desenvolvimento Sustentável. Por exemplo, Bolívia, Equador e Venezuela. Nestes países, há experimentações autogestionárias desde a base sócio produtiva até a superestrutura estatal.
No Brasil, para a Ecosol ter um caráter protagonista em um Projeto Nacional Popular, é preciso avançar no reconhecimento do direito às formas de organização econômicas baseadas no Trabalho Associado, na cooperação, na autogestão e propriedade coletiva dos meios de produção. e trabalhadores de experiências de autogestão da Catalunha. Estes temas foram em seguida desenvolvidos em encontros promovidos pelo PACS e pelo CEDAC, em Mendes, Rio de Janeiro.
HEGEMONIA
- a) Um dos principais desafios da Ecosol é ser inserida como protagonista na estratégia de desenvolvimento em nível nacional. Nesse sentido, terá condições mais favoráveis para participar em um Conjunto de forças político-sociais que permita a construção de um Projeto de Nação e de uma Contra-Hegemonia. Superar certo corte corporativo e se articular com os outros movimentos sociais para que também incorporem a autogestão em suas estratégias e pressionem e dialoguem com o Estado na construção de Políticas Públicas com Controle e Participação Social.
- b) Um dos principais desafios nesse novo ciclo é que o Parlamento surgido das eleições de outubro 2014 tem uma composição profundamente conservadora, o que dificultará a aprovação de leis que favoreçam a ecosol, no sentido de aprofundar sua institucionalidade. Porém, é fundamental precisar que esta questão da construção de uma contra-hegemonia “a Ecosol”.
Neste campo, que papel poderá ter a Ecosol se a conjuntura abrir as possibilidades de uma Assembleia Constituinte? Que propostas poderá defender nos diversos campos de sua atuação, sobretudo, em relação ao do Trabalho Associado? Sem dúvidas, o “Golpe” de 2016, trouxe um quadro ,talvez, de duração mais ou menos longa, que modificou a relação de forças no sentido de muito adversa ao desenvolvimento da Economia Solidária.
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